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Início do estúdio em meados de 2000. Foto: Acervo pessoal

A história de Ademir Marques, um dos pioneiros no arrocha

A partir de muita experimentação sonora, o tecladista criou as próprias bases rítmicas no teclado e produziu nomes importantes do gênero.

No começo dos anos 2000 a música baiana sentiu os primeiros indícios de uma possível derrocada do axé music. Ainda que Ivete Sangalo, Chiclete com Banana e Claudia Leitte (ainda no Babado Novo) estivessem surfando nas paradas de sucesso, foi nesse período agitado que o gênero passou a disputar espaço no mercado com bandas como É O Tchan, Harmonia do Samba e Psirico. O pagodão baiano estava em ascensão.

Mesmo distante dessa agitação, o músico Ademir Cerqueira Marques sentia o declínio do axé. Egresso de uma banda do gênero e sem estrutura para montar um grupo de pagodão, acabou enveredando para a seresta, tocando teclado nos bares do município de Candeias, região do recôncavo baiano. No repertório músicas bregas, boleros e também MPB, nada inusitado até então. Porém, diferente dos demais tecladistas, Ademir criava e programava os próprios ritmos para seu teclado. Mal sabia ele, mas estava dando seus primeiros passos no arrocha.

Micareta em Candeias na década de 1990. Ademir nos teclados. Foto: Acervo Pessoal

“Todo mundo pegava o ritmo que era do próprio teclado e eu já fui mudando isso, daí que surgiu a galera me chamar de ‘Ademir que inventou o arrocha’. Eu não inventei nada!”, sorri, abrindo mão do rótulo de criador do gênero. “Ser criador é quando você criou algo diferente. Criar sem pegar de ninguém… Por isso eu não acho que fui eu que criei. Eu fiz umas mudanças, entendeu?”, completa.

Eu fiz o ritmo de todo mundo, é tudo Arrocha, mas tudo diferente um do outro.

Ademir

Partindo do Beguine e da Rumba (ritmos de fábrica presetados nos teclados), Ademir alterou o acento do bumbo, mexeu no cymbal e acelerou a batida. Tava pronta assim uma das bases rítmicas do Arrocha. No entanto, a inquietude o levou a tecer variações nos timbres e nas viradas (ou repiques, como prefere chamar): “Eu sempre dizia ‘Vocês têm que criar uma identidade pra não ficar tudo igual. No seu, eu vou colocar tal elemento para ficar diferente’. Eu fiz o ritmo de todo mundo, é tudo Arrocha, mas tudo diferente um do outro”.

Tayrone ainda hoje visita Ademir para gravar voz. Foto: Acervo Pessoal

Modéstia à parte, as mudanças de Ademir chamaram atenção de outros tecladistas da região e logo escalaram para alcance nacional. Assim montou o próprio estúdio e produziu os nomes pioneiros no arrocha, que consolidaram no país o ritmo moldado por ele, que já perdeu a conta de quantos artistas produziu: “A primeira banda que eu fiz estourar foi Asas Livres, depois veio Silvanno Salles, depois veio Tayrone, Nara Costa… Eu já tava perdendo rumo de quem eu tava fazendo estourar, por que vieram de vez”, relembra.

Se no ritmo de Silvano Salles o BPM é acelerado e tem uma virada de timbales “que parece uma metralhadora”, como diz Ademir, em Tayrone o ritmo é mais lento e a caixa da bateria foi inserida, tendo como referência o mesmo timbre de “Amado Batista ou Julio Nascimento, não lembro direito…”, comenta sorrindo. 

A porta do bar

Natural da cidade de Santo Estevão, Ademir mora em Candeias há cerca de 30 ou 40 anos: “Não sei te dizer a data, o ano exatamente, mas isso tem muito tempo…”. Foi nesse município que se descobriu músico, tocando na Orquídea Negra, banda de axé que seu irmão integrava. Aos 14 anos de idade, teve nessa banda a primeira experiência como músico, mesmo sem saber tocar nenhum instrumento: “Meu irmão foi me ensinando, passando as notas no violão e colocando no teclado”.

Grupo Voyage, primeira banda de seresta de Ademir. Foto: Acervo Pessoal

Com a queda do axé music, sentiu a necessidade de partir para outro nicho de mercado, durante três anos trabalhou como auxiliar de controle de qualidade na refinaria Landulfo Alves em São Francisco do Conde: “Eu chegava em casa, me deitava e saía aquele cheiro de refinaria do meu corpo… Eu pensei ‘rapaz isso não dá pra mim não’”. A opção foi voltar para a música: “O axé foi declinando e a maneira que a gente encontrou para sobreviver de música foi fazendo barzinho”.

Nesse momento da carreira, as 5 horas de repertório na noite pareciam trabalho insuficiente. Ademir aproveitava ainda os intervalos entre uma apresentação e outra para se dedicar a estudar os mecanismos do teclado e os softwares de áudio. “Naquela época não tinha internet nem Youtube pra aprender, então eu tive que aprender na tora mesmo. Tinha o manual, mas o manual em inglês e eu não falo nem português direito…”, brinca. Hoje não lembra mais o nome do primeiro artista que gravou, só sabe que era um cantor evangélico, mas recorda que Elias do Bolero e Evandro Costa vieram logo em seguida.

Ademir tem 30 anos de carreira. Foto: Acervo Pessoal

Entre os causos vividos, nesses 30 anos de carreira viu o arrocha crescer e conquistar o carnaval, trocar influências com o sertanejo e o forró, ser apropriado pela Roland (fabricante de teclados) e cativar o país. Mas surpreso mesmo revela ter ficado quando assistiu os artistas do gênero se apresentando na televisão: “Todo mundo vê teclado na frente de bar… Eu não lembro de ninguém dar valor muito à gente que toca teclado. Na minha época era muito complicado alguém chegar na televisão, só Frank Aguiar e Lairton”.

Ademir continua hoje na ativa com seu estúdio na 1º Travessa Wanderley Araujo Pinho, 26, em Candeias, produzindo uma média de 5 discos por mês, cobrando valores que oscilam entre R$700 e R$3500, dependendo do projeto. “Hoje não é aquele arrocha que eu fiz antigamente. A cada momento aparece uma pessoa ou outra fazendo um diferencial, chegou em uma mudança que eu nem sei mais”, reconhece feliz de ter contribuído para a formação do gênero. “O arrocha tem sempre a evolução e é bom saber sempre que as pessoas tudo começou comigo. Os velhinhos contribuem muito para que o jovem vá em frente com os outros ritmos”, relata.

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